Estudo resulta em álcool de segunda geração
ao aperfeiçoar processos de hidrólise
Não clássicos os parâmetros que orientam a produção industrial com vistas à diminuição dos custos de produção: insumos baratos, menor demanda de energia, redução do tempo de processamento. Nas últimas décadas, muitas indústrias estão sendo levadas a considerar mais uma questão. Pressões sociais têm levado progressivamente muitos países a adotar medidas que forcem o uso de matérias-primas renováveis e processos que contribuam para a preservação do meio ambiente e da biodiversidade.
Por outro lado, o fantasma da sempre presente finitude dos combustíveis fosseis, caso do petróleo, movem meios produtivos e governos a promoverem e estimularem a procura de outras fontes energéticas. Entre elas, pelo seu caráter renovável, tem merecido destaque a utilização do álcool obtido diretamente de produtos agrícolas. No Brasil assumiu capital importância o emprego pioneiro da cana-de-açúcar. O biocombustível obtido diretamente do produto natural é considerado de primeira geração.
O sucesso dessa empreitada, de repercussão mundial, e a necessidade crescente da procura de outras fontes para a produção do bioálcool, levaram à utilização de outros tipos de biomassa não destinados à produção primária de alimentos. Entre essas novas fontes energéticas que se revelaram promissoras estão os agro-resíduos, bagaços e cascas de frutas.
Uma dessas biomassas de baixo custo e níveis elevados de carboidratos, o que viabiliza a sua utilização em processos biotecnológicos, é o bagaço da laranja, resultante do processamento do fruto utilizado na extração do suco que dá origem ao concentrado, largamente exportado pelo Brasil principalmente para EUA, Europa e Ásia. O álcool obtido a partir desses tipos de biomassa é denominado de segunda geração.
Com o objetivo de melhorar o rendimento de processos já empregados para geração do bioálcool a partir de biomassas – cujas etapas fundamentais envolvem basicamente hidrólise e a fermentação –, baixando os custos e tempos de produção, a professora Ljubica Tasic, do Instituto de Química da Unicamp (IQ), orientou trabalho que deu origem à tese “Bagaço de laranja como biomassa para a produção de etanol de segunda geração”, desenvolvida pela química paquistanesa Almas Taj Awan no Laboratório de Química Biológica do IQ.
As pesquisadoras esclarecem que o trabalho procurou melhorar os processos de hidrólise atualmente empregados a que é submetido o bagaço de laranja. Com esse objetivo, utilizou hidrólises ácida e enzimática, realizando posteriormente fermentação com cepas isoladas ou misturadas. Compararam então o processo clássico, que envolve hidrólise ácida, com os que utilizam a aplicação de enzimas comerciais e com aquele em que introduziram o microrganismo Xanthomonas axonopodis pathovar citri (Xac). E aí residiu a grande inovação. A Xac, fitopatógeno de grande periculosidade por causar a doença do cancro em cítricos, foi escolhida devido à presença de várias enzimas hidrolases e, também, face ao custo menor em relação às enzimas atualmente usadas nos processos industriais.
A importância do estudo ressalta quando se sabe que, segundo o United States Departament of Agriculture, o Brasil é o maior produtor de laranja do mundo. Em 2011, cerca de 19 milhões de toneladas de laranjas foram produzidas no país, das quais 15 milhões apenas no Estado de São Paulo. O resíduo resultante da extração do suco constitui cerca de 50% do fruto. Esse tipo de resíduo lignocelulósico, utilizado grandemente no enriquecimento de rações, demanda um aproveitamento econômico mais atraente e de baixo custo. É o que se pretende hoje com a sua utilização na produção do bioetanol de segunda geração por meio da fermentação dos carboidratos oriundos dessa biomassa.
Os resultados obtidos pelas pesquisadoras mostram a ocorrência de bem sucedida conversão hidrolítica do bagaço em uma mistura de açúcares passíveis de fermentação pelas enzimas da Xac. Ou seja, os polissacarídeos do bagaço são convertidos por hidrólise em monossacarídeos. Esses açúcares foram então transformados em bioetanol com a utilização de leveduras, duas isoladas do bagaço e a convencional, tanto com um único microrganismo (mono-cultura) como com a cultura de dois microrganismos (co-cultura).
Os rendimentos em termos de bioetanol decorrentes do emprego de co-culturas chegaram a 60%, valores muito superiores aos rendimentos decorrentes do uso de cepas específicas utilizadas na monocultura (cerca de 30%). Além disso, os açúcares foram consumidos mais rapidamente, acelerando os processos fermentativos, que passaram a ser de seis horas e não mais de vinte e quatro horas, tornando-os atraentes em termos de custos e aplicações comerciais.
O PROCESSO
Entre as várias etapas que envolvem a conversão da ligninocelulose em etanol, distinguem-se a hidrólise da celulose para obtenção dos açucares monômeros e a fermentação destes em etanol. No processo, o bagaço inicialmente moído foi primeiramente submetido a hidrólises ácida e enzimática e, com o emprego da espécie Saccharomyces cerevisiae e duas cepas do gênero Cândida parapsilosis, isoladas do próprio bagaço de laranja, fermentado. Por questões econômicas, as pesquisadoras testaram na etapa de hidrólise o uso da Xanthonomas axonopolis pv. citri como fonte de enzimas hidrolíticas, comparando sua ação com a de outras enzimas comerciais empregadas. Nesta etapa o interesse maior concentrou-se em verificar em que situações os rendimentos foram maiores.
Posteriormente, os hidrolisados resultantes foram transformados em etanol através dos processos de fermentação. Nestes casos foram inicialmente utilizadas duas cepas do gênero Cândida parapsilosis isoladas do próprio bagaço, face às suas eficácias, além da levedura comercial Saccharomyces cerevisae em mono e co-fermentações. Neste caso os melhores resultados foram obtidos com a utilização conjunta do Saccharomyces com uma das cepas da Cândida.
A junção destes dois fatores favoráveis levou o processo a um rendimento de cerca de 60% e a redução do tempo a seis horas, fatores fundamentais em processos industriais.
FONTE:
Jornal da Unicamp
Publicação
Tese: “Bagaço de laranja como biomassa para a produção de etanol-2G”
Autora: Almas Taj Awan
Orientadora: Ljubica Tasic
Unidade: Instituto de Química (IQ)
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