Independente da industrialização generalizada do mundo atual, os medicamentos preparados em pequena escala nas farmácias comunitárias e hospitalares - habitualmente designados medicamentos manipulados – têm assumido importância crescente na terapêutica. Apesar de os tempos da preparação exclusiva em escala oficinal se encontrarem muito distantes, reservam-se inúmeras situações específicas para as quais os medicamentos manipulados são imprescindíveis. Assim, a realidade atual aponta para que estes medicamentos ocupem um lugar próprio no arsenal terapêutico moderno, complementando os disponibilizados pela indústria farmacêutica.
Enquanto elemento central de todo o sistema de saúde, o paciente deve ter acesso aos medicamentos mais adequados ao seu perfil fisiopatológico, os quais tanto poderão ser produzidos pela indústria farmacêutica quanto preparados em pequena escala pelos farmacêuticos comunitários ou hospitalares.
Assim, há razões para que se continue a prescrever e a preparar medicamentos manipulados. Cada vez mais, os farmacêuticos são solicitados a solucionar problemas decorrentes quer da inadequação de medicamentos produzidos industrialmente às necessidades farmacoterapêuticas de pacientes específicos, quer da inexistência de certos produtos no conjunto dos medicamentos disponibilizados pela indústria farmacêutica.
Em Portugal, como em outros países, do ponto de vista profissional, os medicamentos manipulados apresentam grande relevância para os farmacêuticos - a quem cabe, em exclusivo, de acordo com a legislação em vigor, a supervisão de sua preparação e dispensação -, constituindo um importante fator de proximidade com os pacientes e com os outros profissionais da saúde.
A possibilidade de personalizar a terapêutica de pacientes específicos constitui uma razão primordial para a prescrição e a preparação de medicamentos manipulados. Não raramente, os medicamentos industrializados incluem excipientes não tolerados por alguns pacientes, não apresentam as dosagens adequadas às suas necessidades específicas ou não se apresentam nas formas farmacêuticas mais apropriadas. Por exemplo, é habitual preparar-se medicamentos personalizados, isentos de certos conservantes, antioxidantes, corantes ou aromatizantes/fragrâncias, para evitar reações alérgicas, especificamente episódios de asma.
Também se realiza a manipulação de medicamentos para os pacientes com intolerância à lactose, promovendo a substituição deste hidrato de carbono, largamente utilizado como excipiente em especialidades farmacêuticas, por substâncias como a celulose microcristalina ou o carbonato de cálcio. Por vezes, outras populações especiais, como os portadores de diabetes mellitus e os pacientes com deficiências enzimáticas congênitas (como a fenilcetonúria), também requerem a preparação personalizada de medicamentos, mesmo com a existência no mercado de medicamentos industrializados, que, no entanto, são inadequados, por conterem excipientes não tolerados. No caso dos pacientes pediátricos, visando promover sua adesão à terapêutica, especialmente se esta for prolongada, é também vantajoso atender às suas preferências individuais (em particular respeitando o sabor e o aroma) no estabelecimento das características organolépticas dos medicamentos
Em dermatologia, a manipulação de medicamentos também proporciona grandes vantagens, permitindo a personalização da terapêutica, não somente por meio da adequação da dosagem da substância ativa ou das suas associações, conforme se referirá mais à frente, mas, muito especialmente, por permitir adequar a base (excipiente) do medicamento semi-sólido ou líquido quer ao tipo de pele (por exemplo, nos casos de peles acneicas e seborreicas), quer ao estado da dermatose (aguda ou crônica).
Existem várias substâncias ativas de utilidade terapêutica comprovada cujas especialidades farmacêuticas, por motivos diversos (por vezes exclusivamente de ordem econômica), são descontinuadas pela indústria ou não chegam a ser introduzidas no mercado. Enquadram-se, nesta última situação, as substâncias ativas designadas órfãs, para as quais a produção industrial de especialidades farmacêuticas não é economicamente rentável, por se destinarem a um número reduzido de pacientes. A manipulação de medicamentos assume uma especial relevância neste domínio específico e também, globalmente, no preenchimento de nichos não ocupados pela indústria farmacêutica, como sucede, em grande extensão, em pediatria, dermatologia, gastroenterologia, geriatria, ginecologia, oncologia, otorrinolaringologia e oftalmologia Por exemplo, neste último caso, é habitual efetuar-se a preparação de vários colírios e injetáveis intravítreos, não disponibilizados pela indústria farmacêutica (cefuroxima, bevacizumab, voriconazol, ciclosporina, diferentes citotóxicos, colírios fortificados, colírios de soro autólogo etc.).
Estando os medicamentos industrializados necessariamente limitados a um certo número de dosagens e de formas farmacêuticas, é relativamente freqüente a não-existência no mercado do medicamento apropriado às necessidades específicas de um determinado paciente. Freqüentemente, em dermatologia, pediatria, geriatria, oncologia e nos casos de pacientes com insuficiência renal ou hepática, as dosagens dos medicamentos industrializados disponíveis não se apresentam adequadas, pelo que se torna necessário personalizar a terapêutica por meio da preparação individualizada de medicamentos com dosagens ajustadas às respectivas necessidades. Neste domínio, a manipulação de medicamentos pediátricos com dosagens apropriadas, de modo a ajustar as doses a administrar e, em simultâneo, apresentados sob as formas farmacêuticas mais adequadas para administração em pediatria, constitui uma prática habitual, face ao número limitado de especialidades farmacêuticas disponíveis para utilização pediátrica. Com efeito, na farmacoterapia pediátrica, é freqüente a necessidade de administrar substâncias ativas que apenas são disponibilizadas pela indústria farmacêutica sob a forma de medicamentos para adultos. Esta necessidade abrange um conjunto muito extenso de substâncias ativas, como acetazolamida, captopril, espironolactona, fenobarbital, furosemida, hidrocortisona, nitrofurantoína, ranitidina, trimetoprim, entre outras, para as quais, em regra, se opta por recorrer à manipulação de líquidos para utilização oral. A utilização de corticosteróides na terapêutica dermatológica também requer freqüentemente produtos com dosagens substancialmente inferiores às dos medicamentos industrializados disponíveis. Outro exemplo refere-se ao controle da dor em pacientes com câncer, em que é freqüente a necessidade de administrar, em intervalos curtos, doses de analgésicos opiáceos superiores às dosagens das especialidades farmacêuticas disponíveis. Neste âmbito, está descrita a manipulação de supositórios com dosagens de morfina superiores às dos medicamentos industrializados, objetivando satisfazer as necessidades dos pacientes e minimizar o número de administrações.
A adequação da forma farmacêutica do medicamento constitui um aspecto de grande relevância não somente em pediatria, mas também em geriatria e em oncologia e, de um modo geral, sempre que a via oral se encontra comprometida. Em muitas destas situações, torna-se necessário efetuar a preparação de formas farmacêuticas susceptíveis de serem administradas pelas vias disponíveis. Muitas vezes, os pacientes geriátricos apresentam dificuldades em deglutir cápsulas ou comprimidos e a manipulação das substâncias ativas em formas farmacêuticas como soluções ou suspensões orais (freqüentemente administradas por meio de sondas nasogástricas), supositórios ou mesmo pastilhas destinadas a dissolver-se na boca permitem solucionar o referido problema.
A manipulação de medicamentos possibilita ainda promover associações de substâncias ativas indisponíveis no mercado dos medicamentos industrializados, sempre que tais estratégias se justificam do ponto de vista farmacoterapêutico.
Esta necessidade ocorre, com freqüência, em dermatologia, oncologia e no controle da dor em pacientes com Doenças Crônicas Não-Transmissíveis (DCNT). Por exemplo, as associações de substâncias ativas são particularmente úteis nos casos de psoríase, associando-se, conforme a natureza específica da enfermidade, corticosteróides, agentes queratolíticos, como o ácido salicílico ou a tretinoína, alcatrões e agentes hidratantes, como a uréia e o lactato de amônio. Também é freqüente, em dermatologia, a associação de fluconazol com dimetilsulfóxido, para o tratamento de onicomicoses, e de hidrocortisona, hidroquinona e tretinoína, para o tratamento de hiperpigmentações. No caso dos pacientes com câncer, a manipulação de substâncias citotóxicas visando a individualização da terapêutica (associação de substâncias ativas, ajuste das respectivas doses a administrar, entre outras estratégias), constitui uma prática generalizada. Também na área do controle da dor em pacientes com DCNT, é comum promover-se associações de substâncias ativas, como, por exemplo, a associação do dextrometorfano a analgésicos opiáceos, nomeadamente à morfina, de modo a atenuar a tolerância devida à administração freqüente destas substâncias.
Também no que se refere à nutrição parenteral, sua preparação individualizada, em que a composição dos produtos é ajustada às necessidades específicas de cada paciente, constitui uma prática habitual, com especial relevância em neonatologia e pediatria. Importa ainda salientar que, em certas situações, a preparação de medicamentos manipulados proporciona vantagens de natureza econômica, como em dermatologia, se os tratamentos envolvem áreas corporais extensas (grandes atopias, eczemas psoriásicos extensos, entre outras.), requerendo grandes quantidades de produto. Também o fracionamento, em nível hospitalar, de certos medicamentos injetáveis produzidos pela indústria farmacêutica, constitui uma ferramenta importante na gestão racional dos recursos disponíveis, permitindo reduzir de um modo significativo os custos globais com medicamentos.
GRATA PELOS ESCLARECIMENTOS, SOU TRANSPLANTADA E NECESSITO PERSONALIZAR ALGUNS MEDICAMENTOS QUE INTERAGEM COM OS DE USO CONTÍNUO DO TRANSPLANTE
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